sábado, 12 de junho de 2010

Floresta Amazônica já foi densamente povoada


O professor e pesquisador Eduardo Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, fala sobre as descobertas arqueológicas feitas na região.


Por Daniele Silveira


Os tradicionais estudos de história do Brasil têm origem na chegada dos colonizadores portugueses e espanhóis. No entanto, pesquisas arqueológicas na Amazônia já demonstram que a região contava com densa ocupação no passado. A descoberta de objetos refinados em cerâmicas e até mesmo de sociedades, que contavam com chefias e organizações de poder diferentes dos modelos ocidentais atuais, começam a quebrar de vez com as velhas visões que colocam os indígenas brasileiros como intelectualmente atrasados em relação a outras tribos sul-americanas.A arqueologia da Amazônia antiga, que corresponde ao período anterior à chegada dos europeus, tem revelado que a região é também resultado da interação com atividades humanas. “Os biomas da Amazônia tem uma história cultural tão rica quanto uma história natural”, explica o professor Eduardo Goes Neves, pesquisador da Amazônia brasileira, principalmente na sua porção oriental, e também atual presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira. A história indígena seria de longa duração, há mais de 10 mil anos e, talvez ultrapasse os 14 mil anos.Populações antigas deixaram sinais de vidas que estão sendo encontrados nos sítios arqueológicos da região, o que permite avaliar que grupos com diferentes culturas habitaram a Amazônia. A região como apresenta o pesquisador é repleta de paisagens resultantes da atividade humana. No entanto, ele salienta que é preciso ir além do reconhecimento da modificação da natureza pelas atividades do homem. “É preciso estabelecer os contextos culturais e sociais específicos nos quais esses processos de modificações da natureza foram exercidos no passado”.Já não é mais discussão entre arqueólogos a ideia de que a região amazônica foi densamente ocupada. A questão que está colocada no momento é descobrir qual foi o tamanho dessa população. Segundo Eduardo, tais sociedades eram compostas de povos que falavam línguas variadas, pelo menos seis grandes famílias lingüísticas já foram identificadas. Tal resultado confirma a diversidade cultural da região e explica as diferentes formas de modificações da natureza.Riqueza artística e sinais de vidaAntes mesmo de surgir a Renascença na Itália, cerâmicas com sofisticados traços gráficos já eram produzidas em Marajó e nas regiões de Manaus e Santarém. Os povos da Amazônia pré-colonial também esculpiram muiraquitãs, pequenos amuletos de pedra, na região de Oriximiná. O Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo conta com alguns desses objetos em seu acervo.O espaço que hoje corresponde a cidade de Santarém, talvez tenha sido outra cidade, relatou Eduardo em artigo para a revista National Geografic do mês de maio. Se os indícios forem confirmados, Santarém é a cidade mais antiga do Brasil e pode ser também a única cujas origens remontam a história pré-colonial do país. E foi na região que foram encontradas o que talvez sejam as cerâmicas mais antigas das Américas, nos sítios de Taperinha e da Caverna da Pedra Pintada, com datas que podem chegar a 6000 a.C. Além dos objetos encontrados em sítios arqueológicos que indicam a presença humana ancestral na Amazônia, existem outras evidências como as abundantes matas de castanhais. O professor explica que as árvores dessa espécie são imensas e ultrapassam a altura média da copa da floresta e que pilhas da casca da fruta da castanha (os ouriços) espalham-se pelo chão. Também é característica da castanheira a demora para crescer e frutificar, sendo conhecido apenas dois animais na natureza que conseguem quebrar a casca do ouriço e dispersar sua castanha: a cutia e o homem. “Assim, é certo que a dispersão dos castanhais se deu por meio da atividade humana. Ao mesmo tempo, a baixíssima variabilidade genética entre castanheiras localizadas em pontos distintos da Amazônia como se os espécimes tivessem sido clonados, sugere que o processo de dispersão foi recente e começou dois mil anos atrás”, publicou Eduardo no artigo à revista. Outra descoberta que sinaliza a presença antiga do homem na Amazônia são as chamadas “terras pretas de índio”. Trata-se de um solo de coloração escura e muito fértil, podendo chegar a mais de 2 metros de profundidade. Normalmente, junto a essas terras são encontradas pedaços de cerâmica e ossos de animais.Durante muito tempo cientistas consideram esses solos como naturais, hoje eles são conhecidos como resultados da atividade humana, sendo considerados “solos culturais”. A análise do processo de formação e das propriedades dessas terras permite usá-las como marcadores arqueológicos de modos de vidas sedentários na Amazônia antiga. A idéia de assentamentos indígenas estáveis é reforçada ao considerar que a derrubada, limpeza, preparação e cultivos de áreas não aconteciam por meio de instrumentos de metais. O trabalho de preparação do solo era feito com o uso de objetos de pedra lascada ou polida, madeira, mão e fogo. A derrubada de árvores com machados de pedras implica em tempo muito maior do que a feita com machados de metal. As pesquisas arqueológicas na Amazônia têm revelado que a complexidade da floresta vai além dos meandros que envolvem seus recursos naturais. A região possui uma construção histórica antiga associada a uma densa população que habitou o espaço e deixou marcas de seus conhecimentos. É nesse contexto que o professor Eduardo identifica como “tarefa da arqueologia tentar estabelecer as autorias culturais associadas a modificações de paisagens”. As descobertas das relações ecológicas que essas populações conseguiram criar com a Amazônia podem ter muito a ensinar a sociedade contemporânea.Daniele Silveira é estudante de Jornalismo e participa do Projeto Repórter do Futuro.

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