sábado, 20 de fevereiro de 2010

The yes men: a arte de dizer não aos abusos corporativos




Para salvar os recentes fóruns oficiais do completo marasmo e seguirem desmascarando a lógica neoliberal de forma sarcástica, a dupla de ativistas do The Yes Men, Jacques Servin e Igor Vamos (codinomes Andy Bichlbaum e Mike Bonanno), agitou Copenhagen e deu o ar de sua graça em Davos.

Ao longo de mais de dez anos de militância, os Yes Men já ridicularizaram a Organização Mundial do Comércio; desmoralizaram a Exxon e a Halliburton; lançaram um plano habitacional para os desabrigados do furacão Katrina; produziram uma edição falsa do NYT; provocaram uma baixa nas ações da gigante Dow, dentre outras pérolas do ativismo contemporâneo.

No front ambientalista, o coletivo focou no Canadá, que ocupa uma das piores posições entre os países signatários do Protocolo de Quioto e aumentou em quase 30% suas emissões de gases causadores do efeito estufa em relação a níveis de 1990. Um dos motivos é a extração de petróleo das imensas areias betuminosas na província de Alberta — cada barril de betume produz três vezes mais gases-estufa que um barril de petróleo convencional.

Com o objetivo declarado de denunciar os desmandos da política ambiental canadense, uma coalizão formada pelo The Yes Men e pela Action Aid International, forjou, em nome do ministério do meio ambiente do Canadá, uma proposta radical de corte de 40% nas emissões de carbono abaixo dos níveis de 1990 até 2020, além de um aporte de 13 bilhões de dólares para ajudar os países africanos na redução de emissões dos gases de efeito estufa. Os releases da proposta, lançados durante uma coletiva na Cúpula do Clima em Copenhague vinham assinados e timbrados com a chancela do governo do Canadá.

Os efeitos, inclusive midiáticos, daquilo que poderia ter sido verdadeiro, mas que na realidade não foi nem sequer cogitado oficialmente, enfureceu o primeiro-ministro canadense Stephen Harper, mas ajudou a expor as reais prioridades dos países ricos presentes na COP15.
Da Dinamarca para os Alpes suíços. Enquanto a 40ª edição do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, se arrastava da mesma forma previsível e melancólica, apenas com mornas medidas de controle financeiro para salvar o sistema capitalista, a dupla dinâmica do The Yes Men criava um site paralelo do Fórum. Na verdade é uma página falsa do Fórum de Davos (we-forum.org), onde celebridades globais, como que por encanto, assumem discursos progressistas.

A Rainha Elizabeth, por exemplo, aparece no site dizendo estar empenhada “na erradicação dos padrões colonialistas que continuam ainda hoje, e que só pioraram sob o regime neoliberal”. O ex-presidente estadunidense Bill Clinton, a chanceler da Alemanha Ângela Merkel, dentre outros, fazem coro à monarca, graças às dublagens perfeitas implantadas sobre os vídeos oficiais fornecidos pelo próprio Fórum de Davos.


Todo cartunista e caricaturista sabe que o exagero nas formas ajuda a penetrar mais profundamente na matéria. Entretanto, os Yes Men acrescentam à tradicional caricatura um raro oportunismo jornalístico, potencializado por um uso particularmente criativo da internet.

Não se limitam a reagir diante do descalabro capitalista. Criam um novo fluxo midiático a partir de uma performance ativa que, via de regra, utiliza as próprias armas do inimigo. O objetivo das ações é operar uma espécie de correção da realidade. Foi assim em sua ação mais ousada.

O 20º aniversário do desastre de Bhopal, na Índia, tinha tudo para cair no esquecimento. Entretanto, uma ação midiativista reverteu a situação e recolocou em pauta o maior desastre ambiental da história. Um produtor da BBC World, pesquisando a catástrofe, entrou no site DowEthics.com e, sem prestar atenção ao seu conteúdo, mandou no dia 29 de novembro de 2004 um e-mail, solicitando uma entrevista sobre a posição da Dow diante da tragédia ocorrida em 1984. O detalhe é que DowEthics.com não é o site oficial da companhia, mas um trabalho de hacktivismo do The Yes Men, que ao receber o pedido da BBC, decidiu levá-lo a sério. O coletivo solicitou que fosse agendada uma entrevista num estúdio em Paris, onde um “porta-voz” da empresa daria uma entrevista.

Com o nome fictício de Jude Finisterra, o “porta-voz” (interpretado por Andy Bichlbaum) falou à BBC World durante oito minutos para um público potencial de 300 milhões de espectadores. Finisterra foi peremptório ao afirmar que a Dow Chemical finalmente aceitava a responsabilidade total pelo desastre de Bhopal e anunciou um fundo de 12 bilhões de dólares para indenizações às vítimas. "Resolvemos liquidar a Union Carbide, este pesadelo para o mundo e esta dor de cabeça para a Dow. Vamos usar os 12 bilhões de dólares (obtidos) para dar mais de 500 dólares por vítima, que é o que elas têm recebido", explicou Finisterra. A notícia se espalhou rapidamente e as ações da Dow caíram 3,4% na bolsa de Frankfurt e 5 centavos de dólar na bolsa de Nova York.

As ações do coletivo são financiadas por uma rede de simpatizantes do mundo todo e por produções da própria dupla, como os dois filmes: The Yes Men (2004) e The Yes Men concertam o mundo (2009) — vencedor do Panorama Audience Award do Festival de Cinema de Berlim, em 2009. Neste último, dirigido pela dupla em colaboração com Kurt Engfehr (editor do cineasta Michael Moore), os ativistas reflerem sobre os desdobramentos das próprias operações, além de mostrarem os bastidores das recentes atividades do grupo, que registra tudo em vídeo.

Em New Orleans, por exemplo, Andy Bichlbaum fingiu ser Rene Oswin, secretário-adjunto do Ministro da Habitação do ainda presidente George Bush. O falso secretário apresentou-se numa conferência transmitida ao vivo pela CNN, e afirmou que a Exxon e a Shell investiriam 60 milhões de dólares na reconstrução dos bairros atingidos pelo furacão Katrina. Depois de serem desmascarados, os Yes Men organizaram um churrasco para comemorar os “novos planos do Ministério”. A população foi convidada e a mídia local rotulou de cruel e perversa a ousadia do coletivo de “brincar com coisas sérias”. Patricia Thomas, desabrigada e antiga moradora do bairro Lafitte, saiu em defesa da performance em resposta a uma repórter de TV. “Eu respeito esta brincadeira porque é exatamente o que precisava ser feito para que eles se interessassem pela nossa situação. Se é necessário pregar uma peça para que isso aconteça, então está ótimo. Agora me deixe comer o churrasco”, concluiu Patricia, despachando a repórter ao som de uma banda de jazz.



Silvio Mieli é jornalista e professor universitário

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